Ao longo de 2007, os fãs de quadrinhos têm uma série de efemérides importantes para comemorar. Em especial, no Brasil. Como, por exemplo, os 40 anos da chegada dos super-heróis da Marvel ao país. Pelo mundo, comemoram-se os cem anos de nascimento do quadrinista belga Hergé, criador do jovem repórter e aventureiro Tintim - protagonista de 24 álbuns em quadrinhos que têm encantado gerações desde a década de 1930. Mas nenhuma data parece mais relevante de ser lembrada que o centenário de nascimento do editor Adolfo Aizen, fundador da editora Brasil-América (Ebal), no próximo dia 10 de junho. Morto em maio de 1991 e hoje praticamente desconhecido dos consumidores de gibis com menos de 30 anos, Aizen acumulou um currículo extenso e único de serviços prestados não só à história das histórias em quadrinhos como ao mercado editorial brasileiro de modo mais amplo. Para começar, foi ele quem trouxe os super-heróis criados por Stan Lee para o Brasil em 1967, numa ousada campanha de promoção patrocinada pelos postos de gasolina da rede Shell - e incluía também a exibição de desenhos animados dos personagens no programa infantil do Capitão Aza. Esse, porém, é apenas um detalhe entre seus muitos feitos.
Ao lançar o primeiro de uma série de cadernos no jornal carioca A Nação, no dia 13 de março de 1934, quando tinha 27 anos, Aizen tornou-se o introdutor dos suplementos diários na imprensa brasileira - levara a proposta para seu patrão, Roberto Marinho, que a considerou inviável. Ele trouxe a novidade dos Estados Unidos, onde passara seis meses a partir de agosto do ano anterior. Um deles, o Suplemento Infantil, foi o primeiro a publicar os mais modernos heróis de aventura que estavam sendo criados na América naquele momento - Flash Gordon, Zorro, Buck Rogers etc
Com o sucesso do jornal de quadrinhos, Aizen transformouse em editor independente, ao fundar, em julho do mesmo ano, o Grande Consórcio de Suplementos, que pretendia ser uma agência produtora de cadernos segmentados para jornais de todo Brasil. O êxito como editor de quadrinhos instigou Marinho a se tornar seu concorrente com O Globo Juvenil, a partir de junho de 1937. Juntos, os dois jornalistas fundaram o que se poderia chamar de indústria dos comics no Brasil - história que conto no livro A guerra dos gibis (Companhia das Letras, 2004). A importância disso, creio, não foi ainda devidamente estudada, uma vez que os gibis norte-americanos tiveram um papel importante no processo de difusão da cultura norte-americana no Brasil, tanto quanto ou mais que o cinema.
Aizen ainda tinha muito por fazer entre as décadas de 1940 e 1950, por causa da intolerância que se criou em torno dos quadrinhos - então uma nova forma de comunicação de massa desde o final dos anos de 1930. Muitos pais, professores, padres, psicólogos, jornalistas e até políticos, como não cresceram lendo gibis - a não ser os poucos quadrinhos da revista infantil O Tico-Tico, lançada em 1905 -, estranharam o hábito de ver suas crianças tão entretidas com aquelas leituras. E começaram a desconfiar que todos os problemas da infância e da adolescência eram causados pelas revistinhas. Principalmente o crescimento da criminalidade infanto-juvenil em todo o mundo no pós-guerra.
Surgiram as mais diversas e esquisitas teses para se promover fogueiras de gibis por todos os Estados Unidos e Brasil: causavam preguiça mental, tiravam atenção dos estudos, desnacionalizavam os leitores com a imposição de uma cultura alienígena (norte-americana), induziam ao crime, à prostituição e até ao homossexualismo. Enquanto Marinho defendia suas revistas e a si mesmo dos ataques de seus adversários nas páginas de O Globo - era acusado por Carlos Lacerda (Tribuna da Imprensa), Samuel Wainer (Última Hora) e Orlando Dantas (Diário de Notícias) de transformar as crianças em "bandidos-mirins" -, Aizen preferiu adaptar romances brasileiros para os quadrinhos (Edição Maravilhosa), criar revistas escolares em formato de gibi (Ciência em Quadrinhos) e biografar vidas de personagens da história do Brasil (Epopéia) e de santos (Série Sagrada) para conter a ira de professores e padres.
Por trás de sua diplomacia, havia uma história que escondeu até a morte: era russo de nascimento e temia que, se descoberto, perderia sua editora, uma vez que estrangeiros não podiam ser donos das empresas de comunicação. Aizen era uma figura cordial, respeitosa e um empreendedor. Porém, também uma figura controversa. Soube agir no momento certo para tirar proveito da situação durante a ditadura Vargas e salvar seus negócios - quando estava quase falido, vendeu sua editora para o Governo.
Por outro lado, fica difícil imaginar como seriam as histórias em quadrinhos no Brasil hoje sem os seus mais de meio século de carreira como editor. Sem ele, as gerações que cresceram após a década de 1920 teriam sido privadas de ler gibis por muito tempo. Sem ele, Alfredo Machado não teria criado uma pequena distribuidora de quadrinhos que chegaria a 2007 como o conglomerado editorial Record, no Rio de Janeiro. Sem ele, Roberto Marinho e Assis Chateaubriand não teriam lançado centenas de gibis e feito a alegria de tantas crianças e adolescentes.
A data redonda de seu centenário não pode passar em branco. Tem-se um bom pretexto para reverenciar sua memória e lhe dar o devido destaque na história da imprensa brasileira no século 20.
EM ALTA : A turma da revista alternativa que abusa da irreverência e da criatividade nesse novo número, o volume cinco, em nada menos que 124 páginas. Um bom exemplo de que a garotada encara quadrinhos com seriedade e profissionalismo, principalmente na linha de humor. Muitos têm nível para fazer bonito em qualquer jornal ou revista. A edição conta com o veterano Flávio e a presença de Allan Sieber, o mais engraçado, criativo, ácido e genial autor de humor estabelecido no mercado desde a década de 1980. Para quem quer apostar no futuro dos quadrinhos, basta comprar o seu exemplar nas gibiterias. Custa apenas R$ 4.
EM BAIXA: Não faltam puristas que desprezam os mangás, dizem que são todos iguais e de má qualidade. A série "Bambi", da Conrad, prova que não. Confirma que existem mangás excelentes, muito bons, ruins e péssimos. A heroína delinqüente de Atsushi Kaneko se encaixa na última categoria. Anunciada como uma "saga punk" - o termo não poderia ser usado de forma mais pejorativa -, não convence e é, de longe, um dos piores lançamentos de 2006. Se não bastasse, continua a circular este ano em seu terceiro volume. Violência desmedida e despropositada, clichê do clichê e para lá de pretensiosa, chegou a ser comparada, pásmen, a filmes cults de violência como Assassinos por natureza e Pulp Fiction. Viva Ranxerox!
EM COMPASO DE ESPERA: Os primeiros gibis de super-herói de Stan Lee foram editados pela Ebal em 1967, sob os cuidados do saudoso editor Fernando Albagli, morto recentemente e que fazia nas décadas de 1980 e de 1990 a indispensável Cinemin. Isso aconteceu há 40 anos. Não seria o momento das turminhas dos sites e blogs de discussão (?), que se dizem especialistas no assunto, abrirem seus baús e gavetas e soltarem bons livros contando a história dessa interessante saga? Fica a sugestão.
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