Talvez o guru mais esperado do Fórum Mundial de Estratégia e Marketing, o lendário Philip Kotler, não estivesse lá num dia muito inspirado. A verdade é que, de toda a sua palestra, o ponto mais empolgante foi exatamente o final dela. Quando abriu-se espaço para perguntas vindas do seleto público da HSM.
Ocorre que os profissionais de marketing, impulsionados pela adesão maciça de brasileiros às tais comunidades sociais virtuais, nunca estiveram tão atentos ao comportamento da Internet, novos mercados e comportamento do consumidor. Assim, Kotler deixou a sensação, salvo na fase de perguntas e respostas - com espaço para apenas três intervenções – que não tinha noção do nível de conhecimento do mercado nacional, quando o quesito é marketing.
Afinal, as discussões em torno da dobradinha marketing e mundo virtual, modelos de inovação ou como usar idéias das comunidades voluntárias, nunca foram tão frenéticas entre os profissionais do País. Publicitários, marqueteiros e relações públicas que participaram recentemente em São Paulo, por exemplo, de eventos como o DigitalAge 2.0 e do Seminário de Atitude de MarcaCom:, com Jim Andrews, não devem ter conseguido acrescentar grandes novidades ao seu campo de visão, após os teasers de gestão de marketing sugeridos na última passagem de Kotler pela cidade.
A primeira questão vinda da platéia e lançada a Kotler era tão abrangente, que o guru – autor de vários clássicos da área, como Marketing de A a Z, ameaçou não responder. “Eu não tinha planejado uma pergunta como esta”, avisou Kotler. Mas acabou arriscando alguns pontos que ele acredita deverão conduzir a gestão do marketing nos próximos dez anos.
Em resposta, Kotler, preconizou: - a empresa vai estar mais organizada em torno do cliente, em vez do produto; vai trabalhar mais para a diferenciação (segmentação, elaboração de mídia e de nichos. O marketing vai atuar mais também com o banco de dados de clientes e análise desse comportamento. Citou ainda autores que estão estudando as novas maneiras de atrair clientes. E continuou a lista: vai ser importante compreender esses clientes; criar novos canais de distribuição de mídia; trabalhar a marca emocional em vez do racional e será dado mais gás para a propaganda boca-a-boca. E como não poderia faltar, um investimento maior na ciência de responsabilidade social colaborativa.
Na platéia e na lista dos mais influentes caça-talentos do mundo pela The Economist e sócio da Partnership & Learning, Robert Wong, quis saber, em seguida, de Kotler, se o profissional de marketing, além de passar por áreas clássicas, como produção, vendas etc, não deveria ter um pé mais dentro do território de recursos humanos. Kotler acenou positivamente para a proposta de Wong. Mas advertiu que o departamento de RH também precisa “pensar” a função de marketing. “Rh tem de pensar em fazer marketing para os próprios funcionários”, disse.
Outra questão levantada pelos participantes do Fórum Mundial de Estratégia e Marketing, da HSM, veio seguramente de alguém de agência publicitária. Kotler avisou que acredita que há apenas duas possibilidades para as agências, no contexto atual do marketing, que não está mais restrito à criação de comerciais de TV (por sinal, ele abominou as campanhas de 30” na TV). Uma das saídas para as agências, segundo ele, seria se tornar uma empresa de comunicação completa (RP, anúncios, propaganda, merchandising e auxiliar na criação e monitoração de blogs etc). Mas sempre fica a suspeita de quantas seriam realmente capazes, e devidamente competentes, para atuar em todas essas frentes. A segunda alternativa seria se tornar uma agência de nicho. Por exemplo, uma agência apenas de criação, sem se preocupar com a mídia. Ou a melhor agência de relações públicas. As agências tradicionais, portanto, têm de optar entre se ampliar significativamente ou se concentrar.
Na lateral
Lógico que Kotler trouxe seu mais recente repertório, o marketing lateral, que é uma espécie de mashup, um fenômeno que atravessa quase todos os segmentos econômicos de ponta, de uma aplicação para a Internet 2.0, passando pela música, até à produção de cereais. “É o pensar fora da caixa”, disse. Ou seja a feliz mescla de, por exemplo, áudio mais a mobilidade, que resultou no walkman e não parou por aí. Kotler exemplificou com a reinvenção das livrarias que hoje atraem públicos que não estão interessados em leitura, mas apenas em tomar um café, ou em um ponto de encontro para conversar com os amigos. “Há várias formas de estruturar um jeito de pensar”, frisou.
Tanto Kotler quanto Carlos Ricardo, diretor de Marketing da Pepsico, que comandou o lançamento da H2OH!, renderam tributo em suas apresentações a W.Chan Kim, co-autor de Blue Ocean Strategy. Kim diz que a estratégia do Oceano Azul nada mais é que uma reconstrução de um conceito ou produto, a partir de elementos já existentes. “É o melhor do pop com a música clássica”, exemplificou com um vídeo de uma apresentação da Orquestra Sinfônica de Londres. Kim também mencionou o case da H2OH!, sobre uma boa aplicação desse conceito e do wii, o jogo da Nintendo, que aumentou o valor das ações da companhia em seis vezes. Kim aconselhou os executivos de marketing a pensarem fora das raias da segmentação tradicional e a ouvirem mais os não-clientes, que os clientes tradicionais, na hora de fazer uma inovação.
Carlos Ricardo contou a longa peregrinação e desafios em lançar um produto, num mercado considerado commodity e de concorrência crescente. Ele sustentou o uso de insights como algo vital em qualquer inovação. Ricardo fala com conhecimento de causa, uma vez que estava à frente do marketing da segunda maior empresa do mundo na área de alimentos e bebidas, com 17 marcas de US$ 1 bilhão (perde apenas para a Nestlé). Lógico que nem tudo é um mar de rosas na vida de um executivo como ele. Faz parte também alguns desapontamentos. Ele contou a etapa de fracasso em cinco países durante os testes de desenvolvimento do produto. “Adoro o fracasso”, assegurou. “É com ele que se vê as melhores oportunidades”. Segundo Ricardo é tão importante celebrar as vitórias quanto os fracassos.
Essa poderia ser uma máxima de um expert em marketing, mas o desfecho dessa história mostra que não. Depois de chegar à fórmula exata do produto ele conseguiu a validação do refrigerante nos mesmos mercados. Hoje ele monitora o que o consumidor tem a dizer da bebida em 180 comunidades na internet, com mais de 50 mil membros. O trabalho de Ricardo a frente desse case é a prova mais concreta de que o marketing continua a fazer do limão, uma limonada; ou seria, agora, da água uma limonada? Disso, nem eu, nem você, nem mesmo Kotler, em seu pior dia, poderia duvidar. Ainda mais, vindo de um profissional brasileiro de marketing.
Via e-mail
Nenhum comentário:
Postar um comentário