Uma das mais perfeitas traduções do povo sueco não está num filme de Ingmar Bergman, num livro de Torgny Lindgren, num quadro de Anders Zorn ou numa sinfonia de Franz Berwald. Não foi produzida por um sueco e não dura mais do que 30 segundos. Trata-se de um comercial da Volvo criado nos anos 70 do século passado pelo publicitário norte-americano Ed McCabe.
O filme se passa numa sauna seca. Dentro dela, estão alguns homens suecos - loiríssimos e de olhos azuis -, com aquela saúde de vaca premiada (como diria o Nelson Rodrigues), suando em bicas (como diria a minha avó), no mais absoluto silêncio. Esse suadouro silencioso dura 22 segundos, até que, de repente, um dos homens se levanta e vai em direção à porta. Imediatamente, é seguido pelos outros. Eles abrem a porta da sauna, saem correndo e se atiram num lago inteiramente congelado.
Nesse instante, a voz de um locutor, em off, diz, em tom coloquial: "Nós fazemos carros tão resistentes quanto fazemos pessoas".
Surge na tela, em cima da cena dos suecos duplamente "freezados", a assinatura Volvo.
Esse filme de antigamente é um daqueles raros casos em que a publicidade espelha - de maneira brilhante - as características de um produto e de um país. Coisa que acontece cada vez menos na comunicação e na propaganda dos dias de hoje.
Vivemos num mundo de clichês pseudoglobalizados, recheados com recursos de forma, mas vazios de conteúdo. A maioria das publicações parece ter sido editada pelo último fotógrafo da moda, seja ele quem for. A maioria dos comerciais é apátrida. Parecem-se muito com os executivos das salas de reuniões em que foram aprovados, mas pouco com o consumidor e com o produto anunciado.
Por essas e por outras - e antes que um norte-americano o faça (me desculpe, Edward McCabe) -, me encanta falar do calor humano no Brasil [veja também a edição da revista Mag! sobre o calor, nas bancas]. Uma das características mais adoráveis e menos documentadas do nosso povo.
O calor humano (ao contrário do calor das saunas secas, da frieza dos lagos gelados e dos editoriais das Vanity Fairs da vida) é nosso e ninguém tasca. É o maior patrimônio palpável, impalpável e papável da civilização brasileira.
Está nos ensaios da Mangueira, do Salgueiro, da Gaviões da Fiel; nas favelas e nos bairros de grã-finos de São Paulo que, curiosamente, têm nomes de favelas, como Vila Nova Conceição; nos bailes funks, nos quais "se ela dança, eu danço"; nos hospitais dos grã-finos cariocas que, curiosamente, têm nomes de nightclubs, como Copa DOr; nas torcidas do Corinthians, do Flamengo e do Ameriquinha ("Hei de vencer, vencer, vencer, vencer até morrer." Salve, Lamartine Babo); nos farofeiros da Praia Grande; na procissão de barcos milionários em Angra dos Reis; nas baladas e luais dos mauricinhos e patricinhas em Maresias; e na maioria das nossas manifestações coletivas ou individuais, que, por sinal, se misturam e se complementam.
Imagine a cena: Rio de Janeiro, Ipanema, Posto 9, mês de fevereiro, final de tarde de um domingo qualquer. A galera reunida e comprimida (fenômeno coletivo) aplaude o pôr-do-sol. No meio da galera, uma menina-mulher meio loira, meio morena (fenômeno individual) pede passagem. Uma gota de suor escorre pelas suas costas (calor humano), mas ela nem sente. Tem 18 anos, olhos dágua, nariz arrebitado, sorriso maroto, cabelos encaracolados, peitos rígidos, cintura fina, coxas roliças, bunda arrebitada e, felizmente, não é minha filha. Não importa seu status social. Ela sintetiza o produto final do calor humano: a miscigenação, a democratização da beleza.
Definitivamente, nem a Suécia nem o Haiti são aqui. Graças a Deus, que é brasileiro.
Por Washington Olivetto - publicado no Jornalirismo
Fonte: Adnews
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