O site www.mesada.com.br usa a linguagem da garotada e suas páginas têm cara de entretenimento. Foi o jeito criativo que o especialista em finanças pessoais, Ricardo Humberto Rocha, 45 anos, achou para levar aos adolescentes um assunto sério: educação financeira. No novo portaldoinvestidor.gov.br, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), há histórias em quadrinhos e vídeos interativos que visam ensinar e formar pequenos investidores, desde a mesada.
Na escola Upgrade - Centro de Treinamento, em São Paulo, o sócio-consultor Marcos Farias, 42 anos,começa a notar a presença de gente mais jovem nas turmas interessadas em cursos sobre como investir na Bolsa de Valores. Recentemente, os telejornais mostraram uma turma de estudantes do ensino fundamental em visita à Bolsa, em São Paulo, para aprender como ela funciona.
Esses exemplos seriam sinal de que no Brasil existe uma preocupação maior hoje em dia com a chamada educação financeira? Não, eles ainda são iniciativas isoladas e é preciso muito mais para formar uma geração preparada para lidar com o próprio salário. Essa é a opinião dos especialistas Ricardo Humberto Rocha, também professor do Laboratório de Finanças da FIA/FEA - USP e do Ibmec São Paulo, e de Marcos Farias.
“É uma pena o brasileiro não estar preparado para ter uma participação mais intensa no mercado que está fazendo a transição para a estabilidade”, diz Farias. “Estamos longe de ter uma geração de planejadores, como acontece nos Estados Unidos, onde desde cedo eles têm orgulho de sua moeda. Mas a estabilidade econômica já começa a trazer mudanças. Hoje, se a pessoa vê uma moeda jogada na rua ela já agacha para pegar”, brinca Rocha.
Exemplo de casa
O www.mesada.com.br faz parte do projeto Esticando a Mesada – nome de um livro de autoria de Rocha – que orienta o público na faixa dos 11 aos 18 anos sobre como, quando e por que gastar (e ganhar) dinheiro. Para os pais da geração criada sem ouvir falar em educação financeira, em épocas de inflação mil e planejamento zero, pode parecer uma didática precoce. Ou até mesmo um luxo ao qual só os grandes herdeiros têm direito.
Rocha garante que não é. Segundo ele, ensinar a uma criança o valor do dinheiro é tão importante quanto falar de boas maneiras, respeito, defesa ecológica. Farias assegura que só uma pequena parte dos pais que dão mesada sabem orientar os filhos sobre os gastos. “O consumo desmedido começa com a falta de limites dentro de casa. Os pais estão ocupados com o trabalho, muitas vezes preocupados demais com as dívidas a saldar.”
Salários pendurados
É exatamente na situação financeira caótica de muitos funcionários dentro das empresas, hoje, que Rocha enxerga o reflexo da falta de instrução do passado. Em São Paulo, o comprometimento da renda do consumidor com dívidas vem piorando em níveis gerais, segundo a recente Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Fecomércio-SP. Passou de 31% em abril para 35% em maio puxados pela facilidade dos financiamentos maiores. “Há empregados endividados em todos os níveis”, continua Rocha.
Consumo X empresas
Consumir é bom, todo mundo quer, merece, e precisa. Se o prazo é maior e o juro menor, por que não aproveitar? Sem contar que hoje as empresas facilitam empréstimos a seus empregados. Rocha não é contra um funcionário pegar empréstimo, mas entende que a eficácia desse procedimento só existe se for para pagar uma dívida com juros maiores (os empréstimos consignados têm os menores juros do mercado), como os dos cartões de crédito e cheques especiais, se for para comprar um computador a juros baixos ou outro bem que traga possibilidades de um retorno. “As empresas se endividam para captar recursos que terão uma destinação com taxa de retorno bem maior. Os funcionários têm de ter o mesmo pensamento. Se ele não vai gerar recursos suficientes para pagar uma dívida, ele tem de evitá-la.”
Rocha conta que já viu chefias demitirem um funcionário contra a vontade simplesmente porque era a única forma de ajudá-lo a saldar suas dívidas pessoais. “E não era situação de doença ou outra emergência. Era descontrole com gastos da mulher em cartões de crédito.”
Nessa ciranda, venha o rombo de onde vier, o certo é que, além das estatísticas, ele vai afetar outros setores da vida. Pais-funcionários quando perdem o controle sobre o orçamento doméstico, muitas vezes perdem também sobre o trabalho e rendem menos do que seriam capazes por estarem angustiados. “Por isso, muitas empresas dão adiantamento de salário’’, diz Farias. “Para minimizar a queda de produtividade.”
Conter gastos, segundo Rocha, é uma saída inteligente, que reverte em melhor qualidade de vida. O especialista em finanças pessoais diz que o Brasil foi do país da inflação para o do consumo, pulando a fase da poupança. “O brasileiro tem uma euforia em gastar. Ele não faz cotação, não mede a relação custo-benefício. Agora que o dólar baixou, a tendência é muita gente se endividar, porque vai querer aproveitar para viajar para o exterior. Quem tem um di-nheiro guardado, tudo bem, mas fazer dívida para isso não é uma boa.”
Quem assume
Pais que não ensinam porque não aprenderam, empresas que, segundo Rocha, com raras exceções ainda não se prepararam para instruir os funcionários e escolas que, segundo Farias, não desejam assumir mais esse compromisso. Mais iniciativas por parte de todos, pede Rocha, que se sente solitário na empreitada de ensinar os adolescentes. “Os pais têm de iniciar esse processo, porque seus filhos vão ter mais possibilidades de viver melhor”, sugere Farias. “Claro que isso tem de ser feito aos poucos, respeitando o ritmo e a capacidade da criança.
Não dá para exigir que um menino de 10 anos faça uma planilha de gastos”, continua. “A mesada tem de ser educativa sem se tornar mais uma sobrecarga.” E Rocha lembra que, além da formação cultural, existe um debate ideológico atrasado emperrando os processos de educação financeira. “As pessoas acham que o raciocínio econômico ainda é uma ferramenta de domínio de classes e deixam de usá-lo como estratégia para visualizar um futuro mais feliz.” A boa notícia é que não custa nada refletir sobre o que dizem os dois representantes da nova geração de economistas.
Menino investidor
Gabriel Decarli Souza e Silva acabou de fazer 16 anos e já está no segundo computador comprado com seus os recursos da mesada de 100 reais e do dinheiro que ganha dos parentes em aniversários e Natal. “Levei um ano e meio para juntar 1.600 reais”, ele conta. Filho único de uma dentista e um advogado, Gabriel estuda no primeiro ano do ensino médio. A seguir, conta como aprendeu a poupar.
CanalRh: Como você comprou o computador dos seus sonhos?
Gabriel Decarli: Ah, eu juntei a mesada de R$100 que meus pais me dão, pedi para tios e avó me darem dinheiro em vez de presente no meu aniversário e no Natal, fui juntando tudo dentro de uma lata até ter R$1.600. Dei o computador velho mais essa grana em troca do novo.
CanalRh: Então foi o gosto por computador que fez você começar a guardar dinheiro?
Gabriel: Esse foi o maior, né? Mas com 10 anos eu juntava para comprar jogos de Nintendo. Eu sempre queria um novo e meus não compravam. Daí eu juntava e comprava.
CanalRh: Deu para guardar dinheiro para alguma coisa mais?
Gabriel: Então, eu também juntei R$ 600 e comprei um Ipod, que custou R$400.
CanalRh: E os R$ 200 que sobraram?
Gabriel: Fiz uma reserva para ir completando a mesada. Por exemplo, se quero sair com os amigos, viajar, e a mesada está acabando, posso tirar um pouco desta grana, porque meus pais não vão me dar mais.
CanalRh: Você, então, não deixa de sair, curtir?
Gabriel: Só quando eu estou precisando juntar dinheiro.
CanalRh: E tem caderneta de poupança?
Gabriel: Em banco, não. Só tenho essa lata e agora comecei a anotar numa caderneta tudo o que eu ganho e tudo que eu gasto.
CanalRh: Seus amigos também juntam dinheiro?
Gabriel: Eles começam a juntar para comprar um computador. Mas no meio do caminho, vêem outra coisa que gostam e não agüentam, compram e gastam, não vão até o fim.
CanalRh: Seus pais ou a escola ensinaram você a ser assim?
Gabriel: Não, eu que decidi, porque queria ter as coisas.
CanalRh: Você lê jornal, entra em site para ler sobre economia?
Gabriel: Não, só uma vez que ganhei uns dólares e daí entrava todo dia pra ver a cotação. Quando compensava, eu trocava com meu pai.
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