Eles são capazes de sentar no banco de trás de um carro em movimento e jogar videogame sem ficar enjoados. Gostam de ler e-mails, falar com os amigos no MSN, mandar mensagens SMS e baixar arquivos na Internet; tudo ao mesmo tempo. São ágeis por natureza e se entediariam de fossem privados da velocidade e da pluralidade de tarefas que os meios eletrônicos oferecem. Eles são os Nativos Digitais. O termo, criado em 2001 pelo educador americano Marc Prensky, é usado para designar aqueles que nasceram e foram educados em contato com o mundo da tecnologia. Segundo Prensky, os Nativos Digitais são fluentes na aquisição a uso de ferramentas de tecnologia e as usam como uma extensão de seus cérebros.
Entretanto, quando levantou a discussão sobre o assunto, Presnky, sendo um educador, estava chamando a atenção para o descompasso existente entre a forma que os Nativos Digitais aprendem e a forma que o sistema de ensino transmite conhecimento. O fato é que agora, passados alguns anos, essa turma – cujos mais velhos saíram da faculdade há pouco tempo – já chegou ao mercado de trabalho e o que se notava de diferente quando essa geração ainda estava na escola ou faculdade se mantém quando eles ingressam numa organização.
Marcio Puga, 25 anos, Interactive Designer da agência de publicidade Loducca, está inserido no mundo tecnológico desde que se conhece por gente, Puga diz-se um viciado em interatividade e informação. E acaba fazendo muita coisa ao mesmo tempo. Tem contas no skype, msn, google talk e fica conectado a todas durante o dia inteiro. “Tenho uma necessidade de estar ligado no que está rolando de legal em todo o mundo”, diz. Durante o trabalho além das ferramentas de conversação, Puga também passa o dia lendo conteúdos de blogs. Só no ultimo mês, seu Google Reader (ferramenta usada para receber conteúdo em formato RSS) registrou mais de 3 mil itens lidos. “Como trabalho com Internet, navego o dia todo. Mando links, recebo links”, diz.
Mesmo quando esta de férias Puga não consegue de desconectar totalmente. “É difícil ficar mais de um dia sem ler e-mails. Muitas oportunidades surgem e não se pode perdê-las”.
O nível de interação de Puga com as tecnologias lhe garante conhecimento é possível notar que o uso delas como extensão de seu cérebro é algo normal para ele. “Grande parte do que aprendi foi sozinho, na Internet”
Imigrantes
Diferentemente de sua geração antecessora, alcunhada por Presnky como Imigrantes Digitais, para essa nova geração, a lógica linear (com começo,meio e fim) não tem mais importância. Eles criam sua própria hierarquia na hora de absorver informações; pensam em hipertexto. Além disso, processos simples, com uma tarefa única, não conseguem prender sua atenção. Eles preferem processos mais complexos, onde há várias tarefas sendo executadas de forma paralela.
Para Alberto Albertin, professor do departamento de Informática da Escola de Administração de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas – FGV-EAESP, a chegada desses jovens ao mercado de trabalho cria um choque cultural dentro das organizações. “A nova geração terá como natural o uso e a interação em meios digitais com todas as suas facilidades e possíveis riscos, mas ela a utilizará como parte de sua realidade sabendo tratar estas questões que para nós são diferentes e preocupantes”, diz. “O desafio que se propõe é que até que toda esta geração assuma totalmente as organizações, ela terá de conviver com a geração anterior, que tem outra referência e outras perspectivas em relação às tecnologias”.
Na visão de Albertin, ainda que essas duas gerações se aceitem a ajudem mutuamente, pode haver conflitos ocasionados pela forma diferente como encaram e reagem a esse novo ambiente, altamente tecnológico. “As gerações mais próximas, tendem a ter influência umas nas outras. A situação mais delicada é quando a diferença é de mais de uma geração”, frisa Albertin.
Eline Kullock, presidente do Grupo Foco, partilha da mesma opinião que Albertin. Para ela, integrar esses públicos e harmonizar as relações dentro das empresas é o grande desafio. Segundo Eline, o grande responsável pela harmonização das relações entre Nativos e Imigrantes Digitais é o RH. Nesse sentido, ela aponta os profissionais de média gerência como os grandes facilitadores dessas relações. “São pessoas da chamada ‘geração de corte’, que estão na casa dos trinta anos”, explica. “Como não estão nem de um lado, nem de outro – pertencem a uma geração que se sobrepõe a essas duas – eles têm maior capacidade de mediar tudo isso. E o RH precisa aprender a explorar a capacidade desse público, que são os melhores harmonizadores”.
Diferenças
Mas afinal, o que esses jovens têm de tão especial que necessite ser discutido por empresas e estudiosos? A maneira diferente, em forma e conteúdo, de lidar com a realidade.
Segundo Eline, o fato de eles nascerem e crescerem em contato com os games faz com que eles aprendam mais cedo a lidar com a competição e com a tomada rápida de decisões. “Entretanto, quando ele perde no jogo, basta reiniciar a máquina e na vida real não é assim. Se por um lado eles são mais aptos a lidar com o desconhecido pois não têm medo de errar, por outro eles precisam entender que na empresa pode não haver outra chance”.
Vitor Pascoal, diretor da Cia de Talentos chama a atenção para a capacidade que esses jovens têm de tomar decisões muito rápidas. “Eles não raciocinam pelos mesmos padrões que nós”, diz. “Seu pensamento é neural, binário e não-processual, baseado na causa e efeito”.
Tanto Eline quanto Pascoal apontam um perigo em toda essa velocidade: a falta de profundidade nas análises. “O pensamento binário faz com que eles decidam entre ‘isso’ e ‘aquilo’”, diz Pascoal. “Apesar de a tecnologia permitir lidar com mais variáveis – e eles tem capacidade de achar as coisas mais rápido que nós – a necessidade de decidir rápido nem sempre permite analisar com a profundidade necessária”, acrescenta Eline.
Já Albertin crê que a superficialidade nas decisões não está ligada diretamente a essa geração. “As análises podem ser mais superficiais ou profundas independentemente das gerações e das tecnologias”, explica Albertin. Para ele, as novas gerações terão meios de realizarem analises mais amplas, completas e, inclusive, mais profundas.
Mas as diferenças não param por aí. Outro ponto marcante dessa nova geração é a capacidade e necessidade de realizar diversas tarefas ao mesmo tempo. “Eles são multitarefas, precisam de vários estímulos ao mesmo tempo”, frisa Eline. Essa característica, demanda a criação de processos complexos, onde eles possam desempenhar várias funções ao mesmo tempo.
Silvia Jablkowicz, 23 anos, psicóloga e analista de RH da IT Job, empresa especializada em recrutamento de profissionais para a área de TI, é um bom exemplo de como os Nativos digitais interagem com várias ferramentas simultaneamente. Durante esta entrevista, que concedeu ao CanalRh, Silvia não parava quieta. Enquanto respondia às perguntas por telefone, falava com os amigos pelos comunicadores MSN Messenger e Google Talk, baixava arquivos pelo 4Shared, verificava mensagens no portal Via6, selecionava alguns currículos e concluía uma apresentação de treinamento. “Aprendi inglês sozinha, vendo séries de TV”, comenta com simplicidade.
Para a psicóloga, que já nasceu inserida no mundo da tecnologia, não é difícil lidar com tanta informação ao mesmo tempo. Ao contrário, ela até gosta e se inquieta quando faltam atividades. “Eu fico incomodada quando não tenho nada para fazer; sou daquele tipo de pessoa que não consegue parar um só minuto”, explica. Silvia acredita que as ferramentas tecnológicas a auxiliam a pensar mais rápido e melhor. “A tecnologia veio para modificar nossa vida e nosso trabalho, mas ainda é difícil encontrar profissionais que tenham a capacidade de administrar todas as ferramentas para extrair o melhor delas”, conclui.
Denise Yumi, 25 anos, líder de relacionamento com o cliente da Uni Master, também está acostumada com a presença da tecnologia no seu dia-a-dia. Em contato com ela desde a adolescência, Denise aprendeu a utilizar diversas ferramentas de comunicação para conseguir melhorar seu trabalho e manter ativa a sua rede de relacionamentos. De acordo ela, a tecnologia está inserida em diversos momentos do seu dia-a-dia. Além de usar meios de comunicação convencionais, como o telefone, ela ainda mantém contato com seus parceiros de trabalho via MSN e e-mail. “Costumo integrar vários instrumentos para conseguir falar com a família, amigos e para facilitar o meu trabalho”. Segundo ela, essa variedade de estímulos permite ter várias idéias ao mesmo tempo. “Tenho um pouco de dificuldade em concluir meus pensamentos, mas é engraçado que, mesmo assim, as soluções para os problemas parecem vir mais facilmente quando começo a pensar”, diz. Apesar disso, ela diz que ainda não pensa tão rápido quanto gostaria.
Mesmo enxergando a tecnologia como algo positivo, Denise diz que há situações em que a disposição de tantas ferramentas de trabalho pode acabar confundindo e atrapalhando os profissionais. “É preciso ter prioridades na hora em que você utiliza tudo o que está disponível, para não acabar perdendo o foco ou a concentração em uma determinada tarefa”, explica.
Outro ponto que pode trazer dificuldades para as empresas que contratam esses jovens é a questão da autoridade. “Foram eles que ensinaram os pais a lidar com a tecnologia. Logo, respeitar uma hierarquia não é algo confortável para eles, que são questionadores e gostam de estar envolvidos em processos de decisão”, diz Eline.
O lado das empresas
Por se tratar de um assunto recente, ainda há poucas empresas totalmente preparadas para entender as demandas desse público. “Algumas estão mais aptas que outras, mas ainda estão muito distantes do que será o futuro. A questão é muito nova e ainda estamos aprendendo como tratá-la”, destaca Albertin. Além disso, o especialista ainda destaca que pessoas que estão pensando nisso são da geração anterior, portanto tentam analisar de forma externa o problema. Ainda assim, Albertin acredita que as empresas que se anteciparem terão mais sucesso e facilidade de assimilar o que há de melhor nessa nova geração.
Para Pascoal, todas as empresas são capazes de absorver e lidar com esse público. “Entretanto, àquelas cujo negócio depende de inovação terão maior aderência com eles. Isso porque estão mais abertas a esse novo jeito de pensar.”
Na GE, por exemplo, o ambiente mais informal, com uma hierarquia mais horizontal, tem ajudado a minimizar esses conflitos decorrentes das diferenças de idade existente entre seus trainees e o restante da empresa. “Isso dá maior liberdade e permite o acesso às lideranças, o que para eles é fundamental”, explica a diretora executiva de RH da empresa, Cibele Castro. Segundo ela, consciente dos impactos dessas diferenças entre gerações, a empresa já promoveu seminários e painéis de discussão a respeito do assunto.
Para cada trainee que ingressa na empresa um mentor é eleito para ajudá-lo no seu desenvolvimento. “Eles cuidam para que essa característica multitarefa não faça esses jovens ficarem dispersos. Eles precisam se focar no que é importante e terminar tudo o que começaram, diz”. O contato direto com um mentor, que é alguém da geração anterior, ajuda também o jovem a aprender a ser menos intolerante com aqueles que não nasceram na frente do computador. “Essa relação de respeito é muito importante”, afirma a diretora.
A mesma receita está servindo para a Braskem. Ana Cristina Dias, responsável por Desenvolvimento de Pessoas no grupo, conta que o ambiente informal da empresa ajuda os jovens a estabelecer relações.
Como ponto mais crítico a ser trabalhados nesse público, Ana Cristina, assim, como grande parte das pessoas ouvidas nessa reportagem, cita a falta de aprofundamento. “Eles sabem de tudo um pouco, mas para se desenvolver na carreira é necessário se especializar em algo. Nós tentamos ensinar isso”.
O que se nota é que vivemos num momento de tensão. De um lado jovens que chegam ao mercado com um pensamento totalmente diferente. De outro, empresas ainda não estão totalmente preparadas para lidar com eles. “Estamos no meio de uma pororoca”, diz Pascoal, da Cia de Talentos. “Mas essa crise é muito boa. Ela traz consigo uma grande oportunidade de aprendizado”, destaca. “Acredito que as vantagens superam alguma possível desvantagem, mesmo por que isso é uma realidade e não tem sentido pensar em desvantagens mas sim como potencializar os ganhos”, acrescenta Albertin.
Via e-mail
Nenhum comentário:
Postar um comentário